Texto I
Passaram-se semanas. Jerônimo tomava
agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e
tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”.
Uma transformação, lenta e profunda,
operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe
os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia
afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a
natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o
comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar
felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se
liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar;
adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso,
resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com
que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra
os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco, se foram
reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo
abrasileirou-se. (...)”
AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. 26 ed. São Paulo; Ática, 1994. (fragmento)
1.
Em O Cortiço, Aluísio Azevedo constrói uma
narrativa extremamente relacionada a fatores externos.
a)
Transcreva,
portanto, do texto I uma passagem a qual demonstre que Jerônimo, em decorrência
da convivência com Rita Baiana, já não tinha mais os anseios de antigamente.
b)
Aponte
três características que comprovam a mudança de personalidade de Jerônimo.
2.
A
transformação sofrida pelo português ocorreu de forma lenta e constante,
reforçando a teoria determinista de que o homem é um produto do meio em que
vive. Logo, retire do texto I um trecho que certifique cada item que segue.
a)
Início
dessa transformação.
________________________________________________________________
b)
Trecho
que comprove o decorrer do processo da mudança.
________________________________________________________________
c)
A
consolidação da teoria do determinista.
________________________________________________________________
O texto II servirá de base
para responder às questões 3 e 4.
E por tal forma foi o taverneiro
ganhando confiança no espírito da mulher, que esta afinal nada mais resolvia só
por si, e aceitava dele, cegamente, todo e qualquer arbítrio. (...)
Quando deram fé, estavam amigados.
Ele propôs-lhe morarem juntos e ela concordou
de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como
toda cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava
institivamente o homem numa raça superior à sua.
AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. 26 ed. São Paulo; Ática, 1994. (fragmento)
3.
Por
esse trecho, análise as proposições que seguem e caracterize-as como (V), de
verdadeiro ou (F), de falso.
( )
Bertoleza padecia de um complexo de inferioridade.
( )
João Romão não foi o primeiro português com quem Bertoleza se metera.
( )
Os planos do taverneiro João Romão foram sendo traçados paulatinamente.
( )
Era uma característica peculiar das cafuzas não querer se subjugar a negros.
( )
Bertoleza optava por se relacionar com portugueses após ponderar as vantagens
que teria.
4.
A
herança genética determina a preferência de Bertoleza por homens brancos, evidenciando,
assim, seu comportamento como um dado científico. Explique essa afirmação tendo
como referência as bases da literatura naturalista.
Texto III
E Jerônimo via e escutava, sentindo
ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
Naquela mulata estava o grande mistério,
a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente
do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente
dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a
palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o
veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a
castanho do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra
verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia
muito tempo em torno do corpo dele, acordando-lhe as fibras embambecidas pela
saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma
centelha naquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de
prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita
baiana e espalhavam-se pelo ar uma fosforescência afrodisíaca.
AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. 26 ed. São Paulo; Ática, 1994. (fragmento)
5.
Traçando
um paralelo entre esse trecho e as ideologias que permeiam a Escola
Naturalista, coloque ( C ) para correto e ( I ) para incorreto.
( )
A caracterização de Rita Baiana é feita por meio de metáforas.
( )
A caracterização da personagem é feita somente por um prisma positivo.
( )
Pelo fragmento, é possível perceber o domínio que Rita Baiana exercia sobre
Jerônimo.
( )
No trecho: “era o veneno e era o açúcar”, o autor também se vale de uma
antítese em relação à personagem.
( )
Em várias passagens do trecho, percebe-se o zoomorfismo na comparação da
personagem com tipos animalescos.
Texto IV
Pode-se dizer que O Cortiço segue o figurino
naturalista em duas linhas de exposição de comportamento humano. A trajetória
de João Romão apresenta a visão naturalista das relações sociais, enquanto a de
Jerônimo indica a perspectiva adotada pela escola no que diz respeito às
relações pessoais. Nos dois casos, evidenciam-se patologias que definem os
desvios morais das personagens.
A ambição de João Romão não é condenada,
afinal, ele apenas se aproveita das oportunidades oferecidas pela sociedade
capitalista então nascente. Ocorre que, nele, a vontade de prosperar
transforma-se em doença, em “febre de possuir”. Sua falta de escrúpulos é tamanha,
que passa a explorar a companheira Bertoleza até o ponto da saturação, quando a
troca por uma companhia que promete frutos mais lucrativos.
6.
Muitas
vezes, nas obras naturalistas, a ambição das personagens não é condenada,
afinal, elas apenas se aproveitam das oportunidades oferecidas pela sociedade
capitalista. A partir dessas perspectivas, responda aos itens que seguem.
a)
“A trajetória de João Romão apresenta a
visão naturalista das relações sociais, enquanto a de Jerônimo indica a
perspectiva adotada pela escola no que diz respeito às relações pessoais.” Explique esse trecho tendo por base os
elementos motivadores do meio que acarretaram as transformações,
respectivamente, de João Romão e de Jerônimo.
b)
Por
que, no caso de João Romão, a ambição é patológica?
Texto V
Sempre em mangas de camisa, sem domingo
nem dia santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorear-se do alheio,
deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber,
enganando os fregueses, roubando nos pesos e nas medidas, comprando por dez
réis de mel coado o que os escravos furtavam da casa dos seus senhores,
apertando cada vez mais as próprias despesas, empilhando privações sobre
privações, trabalhando e mais a amiga como uma junta de bois, João Romão veio
afinal a comprar uma boa parte da bela pedreira, que ele, todos os dias, ao
cair da tarde, assentado um instante à porta da venda, contemplava de longe com
um resignado olhar de cobiça.
AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. 26 ed. São Paulo; Ática, 1994. (fragmento)
7.
Analise
o trecho V, dentro dos preceitos da literatura naturalista, e marque com um ( X
) apenas os itens corretos.
( )
João Romão não mediu esforços para conseguir o que queria, agindo, inclusive,
de forma ilícita.
( )
O Naturalismo, diferente das estéticas anteriores, faz da literatura um
verdadeiro instrumento de análise social dos tipos humanos.
( )
João Romão agia com ganância e ambição, despindo-se de qualquer conduta de
caráter para conseguir seus objetivos.
( )
“...contemplava de longe com um
resignado olhar de cobiça.” Por esse trecho, percebe-se que o personagem se
arrepende do que fizera para enriquecer.
Texto VI
Abatidos pelo fadinho harmonioso e
nostálgicos dos desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se
concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o cavaquinho de Porfiro,
acompanhado pelo violão do Firmo, romperam vibrantemente com um chorado baiano.
Nada mais que os primeiros acordes de música crioula para que o sangue de toda
aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com
urtigas bravas. E seguiram-se outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e
mais delirantes. Já não eram dois instrumentos que soavam, eram lúbricos
gemidos e suspiros soltos em torrente, a correrem serpenteando, como cobras
numa floresta incendiada; eram ais convulsos, chorados em frenesi de amor:
música feita de beijos e soluços gostosos; carícia de fera, carícia de doer,
fazendo estalar o gozo.
AZEVEDO,
A. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983. (fragmento).
8.
Transcreva
do texto VI dois trechos os quais demonstrem que os personagens naturalistas
não padeciam de livre-arbítrio, mas se deixavam envolver pela causalidade do
momento.
Trecho 1
_______________________________________________________________
Trecho 2
_______________________________________________________________
Trecho VII
— É esta!
disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-los. —
Prendam-na! É escrava minha!
A negra,
imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no
chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem
pestanejar.
Os policiais,
vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então,
erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém
conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de
lado a lado.
AZEVEDO,
A. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983. (fragmento).
9.
Comente
esse episódio a partir do que fizera João Romão à Bertoleza.
10. Destaque do texto VII o trecho
naturalista que comprova o processo de zoomorfização na composição dos
personagens.
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